Cantando História

A música popular é uma rica fonte para entendermos a cultura popular e desvendarmos alguns fatos poucos esclarecidos.

Space Oddity

Autor:

David Bowie

Tema:

Corrida Espacial: O Homem na Lua

Entre 1945 e 1991 o mundo viveu o período conhecido como Guerra Fria. Uma das melhores definições do significado dessa guerra foi do filósofo e sociólogo francês Raymond Aron (1905-1983): “Na Guerra Fria, a paz era impossível, e a guerra improvável”, referindo-se ao fato do mundo estar submetido à bipolaridade, dividido entre dois grandes blocos de influência: um socialista, representado pela União Soviética, e outro capitalista, representado pelos Estados Unidos.

Embora o conflito direto entre essas duas superpotências jamais tenha ocorrido, as disputas eram travadas em diversas áreas, da esportiva à tecnológica. Assim, as olimpíadas deixaram de ser um evento de congraçamento esportivo e se tornaram palco de competições em defesa de um sistema político-econômico, e, da mesma forma, a corrida espacial foi uma tradução da intensa disputa pela hegemonia mundial. Dominar o espaço tinha, então, vários significados: o aperfeiçoamento das telecomunicações através do lançamento de satélites visava, também, à espionagem internacional, pois os satélites frequentemente mapeavam as áreas inimigas em busca de armamentos e movimentos militares. Nesse contexto, a idéia de “pisar na Lua” adquiriu uma nova perspectiva: o primeiro país a conseguir isso mostraria ao mundo sua superioridade tecnológica. Por isso, foram feitos investimentos astronômicos. Os soviéticos assumiram a dianteira quando, em 1957, puseram em órbita o primeiro satélite artificial, o Sputnik. Dias depois, a façanha foi repetida com o Sputinik II, com uma novidade: nele viajava a cadela Laika, o primeiro ser vivo a ir ao espaço.

Como resposta ao progresso soviético, os Estados Unidos criaram, em 1958, sua agência espacial, a NASA, com o objetivo de superar os soviéticos e chegar à Lua. Apesar dos esforços da NASA, os russos ganham outro round, quando, em 1961, lançaram ao espaço o primeiro voo tripulado pelo homem. A bordo da Vostok I, Yuri Gagarin, estupefato, disse uma das mais famosas frases do mundo: “A Terra é azul!”. A NASA desenvolveu, então, o projeto Apollo, responsável por enviar um voo tripulado à Lua. Os esforços norte-americanos deram frutos em 20 de julho de 1969, quando a Apollo XI aterrissou na Lua e o norte-americano Neil Armstrong fincou a bandeira dos Estados Unidos dizendo: “Um pequeno passo para um homem, um grande passo para a humanidade”. A imagem de Armstrong pisando na Lua entrou para a história como uma das imagens mais marcantes do século XX não só pelo seu sentido imediato, a vitória norte-americana na corrida espacial, mas pelas acusações de fraude que pipocaram no mundo inteiro. A imagem foi, durante décadas, dissecada minuciosamente e, ainda hoje, muitos acreditam ter sido fruto de uma montagem, realizada como parte da estratégia norte-americana para superar os russos. Embora essa teoria não tenha sido provada, é interessante pensar em como a disputa ideológica do período da Guerra Fria transcendeu a esfera governamental e tornou-se parte do dia a dia da população mundial.

As artes não ficaram à margem dos acontecimentos do cenário internacional. Então, destacamos duas canções da década de 60, com olhares distintos sobre a corrida espacial, que refletem esse conflito.

Em 1967, Gilberto Gil compôs Lunik 9, sobre o pouso da nave espacial não tripulada enviada pelos soviéticos a Lua. O projeto russo Lunik incluía uma série de naves e foi o primeiro a fotografar o lado escuro da Lua. Segundo o próprio Gilberto Gil, a exploração espacial e a conquista da Lua adquiriam um sentido diferenciado para os brasileiros. Além de reconhecer que o feito fazia parte da disputa internacional da Guerra Fria, Gil considerava o acontecimento como perda do glamour e do romantismo do satélite terrestre. De fato, grande parte das composições românticas das décadas anteriores havia tido a lua como um de seus objetos privilegiados, dando origem a inúmeras serenatas, que deveriam ser realizadas, preferencialmente, em noites claras de lua cheia. Transformar o inalcançável corpo celeste em algo cientifico era, por um lado, matar o romantismo do qual as antigas canções se alimentavam e, por outro, um símbolo de enorme progresso e conquista humana. Lunik 9 retrata, portanto, essas contradições. A música ganhou força na voz de Elis Regina como uma das maiores composições da década de 60.

Às vésperas da chegada de Neil Armstrong em solo lunar, uma outra canção, essa mais sombria que a de Gilberto Gil, chega ao público. É Space Oddity, do inglês David Bowie, lançada em 09 de julho de 1969, 11 dias antes de o homem pousar na Lua. Nessa canção, Bowie cria um personagem, Major Tom, que, por uma falha em sua nave, é condenado a vagar sem possibilidade de retorno a Terra. A triste composição foi inspirada em um outro grande sucesso da época, o filme 2001: Uma odisséia no espaço, do diretor norte-americano Stanley Kubrick. No filme, o computador Hal-9000 enlouquece e transforma a viagem cientifica em uma tragédia. Kubrick trata de temas essenciais à época: a relação de dependência homem-máquina, além do lugar ocupado pelo homem na vastidão do universo. Impressionado com o filme, Bowie criou um de seus maiores sucessos. A canção foi feita antes de alguns acidentes antológicos, como a explosão do ônibus espacial Challenger em 1986 (muitos outros acidentes ocorreram antes da explosão do ônibus espacial).

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