Publicado em 1870 no jornal A República, o manifesto, cujo redator principal foi Quintino Bocaiúva, defendia a forma de governo republicana para o Brasil.

Fragmento extraído da Revista de História

Aos Nossos Concidadãos

É a voz de um partido a que se alça hoje para falar ao país. E esse partido não carece demonstrar a sua legitimidade. Desde que a reforma, alteração ou revogação da carta outorgada de 1824 está por ela mesma prevista e autorizada, é legítima a aspiração que hoje se manifesta (…).

Só a opinião nacional cumpre acolher ou repudiar essa aspiração. (…) Nenhum tribunal pode julgar-nos: nenhuma outra autoridade pode interpor-se entre ela e nós (…).

Neste país, que se presume constitucional, e onde só deverão ter ação poderes delegados, responsáveis, acontece, por defeito do sistema, que só há um poder ativo, onímodo, onipotente, perpétuo, superior à lei e à opinião, e esse é justamente o poder sagrado, inviolável e irresponsável.

O privilégio, em todas as relações com a sociedade (…), privilégio de religião, privilégio de raça, privilégio de sabedoria, privilégio de posição, isto é, todas as distinções arbitrárias e odiosas que criam no seio da sociedade civil e política a monstruosa superioridade de um sobre todos ou de alguns sobre muitos (…).

(…) E a própria guerra exterior que tivemos de manter por espaço de seis anos deixou ver, com a ocupação de Mato Grosso e a invasão do Rio Grande do Sul, quanto é impotente e desastroso o regime da centralização para salvaguardar a honra e a integridade nacional.

A autonomia das províncias é, pois, para nós mais do que um interesse imposto pela solidariedade dos direitos e das relações provinciais, é um princípio cardeal e solene que inscrevemos na nossa bandeira.

O regime da federação baseado, portanto, na independência recíproca das províncias, elevando-as à categoria de Estados próprios, unicamente ligados pelo vínculo da mesma nacionalidade e da solidariedade dos grandes interesses da representação e da defesa exterior, é aquele que adotamos no nosso programa (…).

A manifestação da vontade da nação de hoje pode não ser a manifestação da vontade da nação de amanhã e daí resulta que, ante a verdade da democracia, as constituições não devem ser velhos marcos da senda política das nacionalidades, assentados como a consagração e o símbolo de princípios imutáveis (…).

Se houver, pois, sinceridade ao proclamar a soberania nacional, cumprirá reconhecer sem reservas que tudo quanto ainda hoje pretende revestir-se de caráter permanente e hereditário no poder está eivado do vício da caducidade, e que o elemento monárquico não tem coexistência possível com o elemento democrático.

É assim que o princípio dinástico e a vitaliciedade do Senado são violações flagrantes da soberania nacional e constituem o principal defeito da carta de 1824 (…).

Perante a Europa passamos por ser uma democracia monárquica que não inspira simpatia nem provoca adesões. Perante a América passamos por ser uma democracia monarquizada, aonde o instinto e a força do povo não podem preponderar ante o arbítrio e a onipotência do soberano.

Em tais condições pode o Brasil considerar-se um país isolado, não só no seio da América, mas no seio do Mundo (…).

(Seguem-se 57 assinaturas dos chamados republicanos históricos.)

Fonte: Revista de História. São Paulo, nº 84, outubro-dezembro 1970. In: Koshib, Luiz; Pereira, Denise Frayse. História do Brasil. São Paulo: Atual, 1996, págs.209-210.